O ex-presidente da África do Sul Jacob Zuma foi sentenciado nesta terça-feira (29) a 15 meses de prisão por desacato à Justiça, após se negar a comparecer a audiências convocadas por uma comissão que investiga acusações contra ele. Agora, Zuma tem cinco dias para se apresentar à polícia.
O ex-presidente compareceu apenas uma vez diante da comissão de inquérito, em 2018, mas sua aparição durou menos de 15 minutos, e ele deixou o tribunal se dizendo vítima de uma caça às bruxas de motivação política. Desde então, ignorou várias convocações. Como justificativa para suas ausências, alegou razões médicas ou disse que estava preparando sua defesa para outros casos.
Zuma, 79, foi deposto da Presidência em 2018, em uma ação orquestrada por aliados de seu sucessor, Cyril Ramaphosa, atual líder da África do Sul. O ex-presidente tem enfrentado medidas legais e acusações de crimes de corrupção cometidos antes e durante seu mandato.
Isso inclui a chamada “comissão Zondo”, em que estão sendo examinadas alegações de suborno envolvendo três magnatas indianos – os irmãos Atul, Ajay e Rajesh Gupta – durante o governo Zuma. O ex-presidente nega qualquer irregularidade, mas até agora não cooperou com as investigações. Os irmãos Gupta, que também negam as acusações, deixaram a África do Sul após a deposição de Zuma.
Em outro processo, ele enfrenta 16 acusações de fraude, corrupção e crime organizado, relacionadas à compra de equipamento militar de cinco empresa europeias em 1999, quando Zuma era vice-presidente do país.
Segundo as denúncias, ele teria embolsado mais de quatro milhões de rands (cerca de R$1,4 milhão, na cotação atual) em subornos pagos pela empresa francesa Thales, um dos grupos que ganhou um contrato com o governo da África do Sul avaliado em mais de US$ 3,3 bilhões (R$ 16,3 bilhões).
Zuma enviou ao Tribunal Constitucional uma carta de 21 páginas na qual alega ter sido tratado injustamente. Em resposta pública ao documento, a juíza da corte Sisi Khampepe disse que o ex-presidente tenta “despertar simpatia pública por meio de alegações infundadas [que] vão de encontro à razão e são um insulto” à Constituição.
“Não me resta outra opção a não ser enviar Zuma para a prisão, com a esperança de que, com isso, seja enviada a ele uma mensagem clara: que o Estado de direito e a Justiça devem prevalecer”, disse Khampepe.
Uma porta voz do ex-presidente disse a uma emissora de TV sul-africana que sua defesa estudaria a decisão do Tribunal Constitucional antes de emitir uma declaração.
Zuma, um dos líderes da luta pelo fim de apartheid ao lado de Nelson Mandela (1918-2013), foi o líder mais controverso da África do Sul desde o fim do regime de segregação em 1994. Seu domínio sobre a dinâmica interna do CNA (Congresso Nacional Africano), partido que comanda o país há 27 anos, foi o que lhe permitiu a manutenção na cena pública por tanto tempo.
Sua influência política, no entanto, diminuiu desde que Ramaphosa, seu vice, o substituiu como líder da legenda e, posteriormente, presidente do país. Antes de cair, Zuma viu alguns dos membros do CNA e milhares de sul-africanos tomarem as ruas exigindo sua renúncia.
Em 2016, ele foi alvo de um processo de impeachment por ter ignorado a orientação de reembolsar os cofres públicos da África do Sul por ter usado verbas do Estado para obras feitas em sua residência privada – a construção de uma piscina, de um anfiteatro, de uma área para criação de gato, entre outras. Seu mandato sobreviveu à cassação graças à maioria que o CNA detinha no Parlamento – foram 143 votos a favor do impeachment e 233 contra.
Zuma foi vaiado, em 2013, por uma multidão que acompanhava uma cerimônia de homenagem a Mandela, com quem ficou preso por dez anos durante o apartheid. Também foi satirizado na mídia e duramente criticado por fazer vista grossa diante do declínio econômico do país e de acusações de corrupção contra membros de seu governo.
Seu nome do meio, Gedleyiklekisa, tem um significado pouco elogioso no idioma zulu: “aquele que sorri enquanto te machuca”. Zuma, no entanto, ficou conhecido entre os comentaristas políticos da África do Sul como o “grande sobrevivente” por ter contrariado as previsões que descartavam sua ascensão política.
Durante seu governo, ele usou parte das habilidades aprimoradas como chefe dos serviços de inteligência do CNA no regime de segregação para silenciar vozes dissidentes e garantir que cargos-chave na liderança do partido fossem controlados por aliados que, se necessário, frustrariam tentativas de destituí-lo.
A decisão desta terça, no entanto, parece ter deixado Zuma sem saída. “Ele esgotou todas as suas opções [de recursos legais] porque não á uma instância superior a que possa recorrer. O Tribunal Constitucional é, normalmente, a última parada”. Disse Amanda Gouws, professora de ciência política da Universidade de Stellenbosch, na Áfica do Sul, à agência de notícias Reuters.
Matéria original: Folha de São Paulo