Agindo como uma verdadeira Realeza dos tempos antigos, os ministros ignoram a realidade vivida pela população brasileira
Bobó de camarão, camarão à baiana, “medalhões de lagosta com molho de manteiga queimada”, bacalhau à Gomes de Sá, frigideira de siri, moqueca (capixaba e baiana), arroz de pato, vitela assada, codornas assadas, carré de cordeiro e medalhões de filé. Para beber: vinhos - se for tinto, tem de ser Tannat ou Assemblage, de safra igual ou posterior a 2010 e que "tenha ganhado pelo menos 4 (quatro) premiações internacionais". Se for branco, a uva precisa ser tipo Sauvignon Blanc, safra de 2015, e a “colheita das uvas para fabricação do vinho deve ter sido feita manualmente”. Além de caipirinha, uísque, cachaças, gim, vodca e conhaque, cada um com sua especificação, garantindo altíssima qualidade. Pode parecer uma lista de um jantar real, aquele servido a reis e rainhas, mas a Corte a que esses pedidos se referem não é lá tão nobre assim.
O Supremo Tribunal Federal, a mais alta corte do nosso Judiciário, decidiu, na última semana, acertar a compra desses refinadíssimos produtos para refeições que serão servidas aos seus integrantes e convidados. Agindo como uma verdadeira Realeza dos tempos antigos, os ministros (que nem Ministérios comandam, mas têm direito a essa nomenclatura) ignoram a realidade vivida pela população brasileira - são mais de 13 milhões de desempregados e uma crise nunca presenciada - para satisfazer seus desejos. Mesmo após uma ação popular, impetrada pela deputada federal Carla Zambelli (PSL–SP), os magistrados não se importaram com as críticas e com a revolta popular e, respaldados pelo TRF-1, na pessoa do desembargador Kassio Marques, viram a liminar da deputada ser derrubada, permitindo, assim, caminho livre para a contratação do banquete, que custou a bagatela de R$ 481.720,88.
Lamentavelmente, essa atitude repugnante não é novidade, nem fato anormal em um reduto de privilégios, mais conhecido como STF. No último dia 8 de maio, os togados puderam prestigiar uma sessão especial de cinema, obviamente fechada e somente para convidados. Afinal, quem é que se importa em ser considerado um dos tribunais mais lentos do mundo, não é mesmo?
As decisões proferidas pela corte são um verdadeiro “prato cheio”. No último dia 10 de maio, por exemplo, o STF referendou o decreto do ex-presidente Temer, que concede indulto a presos e é considerado o mais generoso dos últimos 20 anos, facilitando a vida de bandidos. Outro exemplo é o do ministro Alexandre de Moraes, que censurou uma revista e um site por veicularem matéria sobre o presidente da Corte, Dias Toffoli. Ou ainda, em 2011, quando o Tribunal concedeu liberdade ao terrorista Cesare Battisti, condenado na Itália à prisão perpétua por 4 assassinatos e que, agora, no governo Bolsonaro, foi extraditado e está preso.
A preocupação parece não fazer parte da rotina de nenhum dos juízes, já que, uma vez nomeado e empossado, seu futuro está mais do que garantido, não somente por conta do alto salário de R$ 39.300 mensais (aumento concedido em novembro de 2018), mas também por seu cargo vitalício. Atualmente, só existem três maneiras de um ministro do STF deixar seu cargo: pedir demissão, sofrer um impeachment ou se aposentar, compulsoriamente, aos 75 anos de idade. No caso de Dias Toffoli, que se aposentará somente em 2042 e tinha 41 anos no dia de sua posse, são 34 anos sentados na mesma cadeira. Mais de três décadas! Faça as contas e conclua por si mesmo o que isso significa, em termos financeiros, de hegemonia no poder e de decisões tomadas. O próximo ministro a se aposentar será Celso de Mello e terão sido 32 anos de mandato. O presidente Jair Bolsonaro já sinalizou que indicará o ministro Sérgio Moro para ocupar o posto.
Além da vitaliciedade da função, que já é um privilégio e tanto, como se não bastasse, os senhores de toga desfrutam dos famosos “auxílios”, que não são poucos. Como exemplos, há o auxílio moradia, que custa, em média, R$ 139 milhões por mês aos cofres públicos, segundo a consultoria da Câmara; o auxílio-alimentação (R$ 12 milhões); as assistências médica e odontológica (R$ 15 milhões); além de auxílio-natalidade, passagens aéreas, gratificações natalinas, antecipações, seguranças armados, carros blindados e até auxílio-funeral, sem contar um programa interno, denominado “Viva Bem”, que patrocinou cursos de ioga, massagem laboral e até oficina de respiração. Absurdo!
Em termos estruturais, a imoralidade também impera. O STF possui, em média, 222 funcionários por ministro. Entre os funcionários terceirizados, encontram-se secretárias (em torno de 80), recepcionistas (mais de 190), jornalistas, publicitários, jardineiros, marceneiros, motoristas, entre outros. Mas, os que mais chamam atenção são os funcionários responsáveis pela encadernação – em torno de 29 – e “carregadores de bens”, cargo um tanto quanto obscuro. A folha salarial de abril deste ano mostra um total de 1.218 servidores ativos, com média salarial de R$ 17 mil por mês e mais 576 servidores inativos e pensionistas, esses ganhando, em média, R$ 21.000, dados do próprio site do Tribunal em seu Portal de Transparência.
Quando o assunto é STF, a população sente a inconformidade correndo pelas veias, e com razão. Afinal, como esperar justiça de quem deveria ser o “Guardião da Constituição”, mas que, na prática, se importa em preservar apenas o que lhe é seu por essência: a imoralidade.